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Custo limita crescimento da navegação de cabotagem no Brasil

O porto da cidade de Rio Grande (RS) fica na margem direita do canal que liga a Lagoa dos Patos ao Oceano Atlântico, a 240 quilômetros do Chuí, último município do extremo sul do país, na fronteira com o Uruguai. Às 7 horas da manhã, os caminhões já formam fila no estacionamento em frente ao Tecon (Terminal de Contêineres), principal ponto de embarque marítimo da safra de arroz do Rio Grande do Sul, o maior produtor nacional.


Os destinos são principalmente os portos da Região Nordeste, mas tem carga até para a região amazônica. Esse processo de distribuição de mercadorias entre portos marítimos internos é chamado de navegação de cabotagem. O nome é uma homenagem ao navegador italiano Sebastião Caboto, que esteve por essas bandas no século XVI.


Ancorados no cais, dois navios enormes aguardam o início das operações de embarque. O pátio do terminal mais parece uma “cidade de contêineres”. Centenas estão empilhados em linha, formando ruas, por onde circulam caminhões e tratores. Guindastes gigantescos correm sobre os trilhos na beira do caís. Do alto das cabines, operadores manipulam as engrenagens presas por cabos de aço, como se fossem “marionetes”.


Com um voo rasante, semelhante ao de uma ave de rapina, as garras dos guindastes se encaixam no contêiner. Os cabos de aço são acionados e suspendem a carga de 25 toneladas até uns 20 metros de altura para depositá-la dentro dos navios. São os STS (ship to shore), nome em inglês dos guindastes maiores. Guindastes de menor tamanho, guiados por tratores, agarram os contêineres direto das carrocerias dos caminhões e os depositam nas pilhas.


Os sons dos motores, os estalos de metal e a ação dos guindastes encobrem o barulho do mar e, assim, a “cidade de contêineres” vai sendo montada e desmontada, como se fosse um Lego, o brinquedo infantil. Daiana Valin, da empresa Wilson Sons, é responsável pela segurança de quem visita o Tecon. Com seu “sutil humor gaúcho”, recomenda: “Coloquem os capacetes. Já pensou se um contêiner despenca lá de cima?”. E, sorrindo, acrescenta: “Mas podem ficar tranquilos, é mais fácil um contêiner vazio cair do alto da pilha aqui do solo, em dias de vento forte, do que um contêiner cheio despencar das garras do STS”.


Segundo a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), o transporte de contêineres por cabotagem cresceu 24% no primeiro semestre de 2019 em relação ao mesmo período do ano passado. O crescimento, em grande parte, se deve à greve dos caminhoneiros de meados do ano passado. Apesar disso, essa modalidade continua na rabeira da matriz de transporte de cargas do Brasil. Enquanto o Japão transporta 44% das cargas por cabotagem, a União Europeia 32% e a China 31%, nós transportamos 11% e o agronegócio só 4%, mesmo considerando o crescimento atual, por causa da greve dos caminhoneiros.


“Essa tendência de crescimento”, diz Luiz Antônio Fayet, consultor de logística da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), “só prova o atraso em que está nossa cabotagem”. “Quais são os países do mundo como o Brasil, que tem 8 mil quilômetros de costa? Acho que não passa de meia dúzia. E, ao longo da costa, nós temos vários portos pequenos, médios e grandes subutilizados. Temos de colocar urgentemente toda essa infraestrutura para funcionar, a fim de reduzir os custos logísticos.”


FERTILIZANTES


Maurício Alvarenga, da Log-In, empresa brasileira que atua no transporte de cabotagem em parceria com a Mercosul Line, diz que o setor vem crescendo de 10% a 13% ao ano e está em tendência de alta. “Nós operamos seis navios e acabamos de importar mais um da China com capacidade para 2.700 contêineres”, diz ele.


A Aliança Navegação e Logística, fundada há 20 anos pela Hamburg Süd, agora do grupo dinamarquês Maersk, a maior do país, transportou 310 mil contêineres em 2018. Os principais destinos foram os portos de Salvador, na Bahia; Suape, em Pernambuco; Pecém, no Ceará; e Vila do Conde, no Pará. Jaime Batista, gerente da Aliança, diz que, além do arroz, a empresa transporta carne de frango, feijão, milho, lentilha, açúcar, sal, frutas, cacau, açaí – e até fertilizantes e agrotóxicos. “Se a gente fosse usar caminhões, precisaria de 220 mil carretas para levar os 310 mil contêineres que transportamos de navio no ano passado. Por isso, não tenho dúvida de que produtos como o arroz, por exemplo, custariam muito mais lá no Norte e Nordeste não fosse a cabotagem.”


Existem regiões aonde é praticamente impossível levar carga do extremo sul do país por rodovia. É o caso dos clientes da Aliança que ficam em Boa Vista, a capital de Roraima. O navio sai do Porto de Rio Grande com mais de 50 mil toneladas de arroz e viaja 20 dias até Belém do Pará, onde entra no estuário do Rio Amazonas e navega mais dois dias subindo o rio em direção a Manaus. De lá, os contêineres são transportados em carretas para Boa Vista.


A viagem de caminhão de Manaus a Boa Vista, pela BR-174, dura mais de 15 horas. “Só podemos fazer esse percurso, Manaus-Boa Vista, durante o dia, porque a estrada corta a reserva dos índios Waimiri Atroari, e eles fecham a passagem à noite para evitar o atropelamento dos animais de hábito noturno”, diz Jaime.


Mas a pergunta que não quer calar é: se a cabotagem é tão eficiente, por que é pouco utilizada no Brasil?  Um dos motivos é o preço elevado do frete, impactado principalmente pelo bunker, combustível utilizado nas embarcações, que representa 50% do custo total da cabotagem. O bunker é fornecido pela Petrobras, que segue as cotações internacionais do petróleo e cobra em dólar do dia.


“Nossa receita é em reais, como é que podemos contabilizar um custo tão elevado como o do combustível reajustado em dólar? Esse é o principal gargalo do negócio”, diz Jaime Batista. Para amenizar o problema, os armadores querem que a Petrobras aplique à cabotagem o mesmo critério usado no fornecimento do combustível utilizado na exportação para outros países, que tem desconto de 30%, por causa da isenção de ICMS.


“Já existe uma lei prevendo essa equiparação”, afirma Cléber Cordeiro Lucas, presidente da Associação Brasileira dos Armadores de Cabotagem (Abac ). “Mas essa é mais uma dessas leis que são criadas, mas não pegam e acabam impactando na inflação. É o custo Brasil.”


É por essa razão que o Rio Grande do Sul transporta por cabotagem menos de 2% da safra de mais de 7,2 milhões de toneladas de arroz. O restante vai de caminhão. Se o custo do frete fosse menor, poderia seguir por cabotagem de Rio Grande para o Paraná, via Porto de Paranaguá, para São Paulo, via Porto de Santos, para os portos do Rio de Janeiro e de Vitória, no Espírito Santo, com custos infinitamente menores.


José Alberto Thurmer, gerente da Camil Alimentos, que compra o arroz dos produtores gaúchos, diz que, apesar disso, a empresa está apostando no potencial futuro da cabotagem. “Instalamos uma unidade moderna a menos de 20 quilômetros do Porto de Rio Grande só para atender à cabotagem.”


A companhia também investe na modernização. A fábrica, que funcionava 24 horas beneficiando e empacotando arroz, agora faz o mesmo serviço em apenas 18 horas, graças à instalação de seis robôs. As máquinas enchem os saquinhos plásticos e os entregam para as mãos mecânicas dos robôs através de uma esteira. Os robôs empilham os sacos plásticos e formam fardos que serão carregados pelas empilhadeiras até dentro dos contêineres.


São muitas as reivindicações dos produtores, da agroindústria e dos armadores para resolver os problemas da cabotagem. Vão desde a desoneração de tributos até a flexibilização da utilização de embarcações de bandeiras estrangeiras, que hoje são proibidas de atuar na cabotagem. Essas solicitações foram entregues ao Ministério da Infraestrutura, que acaba de criar um projeto, chamado BR do Mar. “Essa iniciativa está avaliando todos os problemas relacionados à navegação de cabotagem e esperamos ter boas notícias até o final do ano”, diz José Renato Ribas Fialho, superintendente da Antaq.


Fonte: Revista Globo Rural


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