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Indústria do trigo projeta alta nos preços e reforça rejeição à compra de transgênicos

A indústria brasileira do trigo se mantém resiliente durante a pandemia de Covid-19 e sem problemas na importação do cereal usado pelo setor moageiro. E as perspectivas são otimistas para 2021, com maior competitividade e alta nos preços pagos ao agricultor.


Essas foram algumas das conclusões do setor durante os debates da 27ª edição do Congresso Internacional da Indústria do Trigo, realizado nesta quarta-feira (25/11) de modo virtual, que debateu perspectivas sobre mercado, preços e tendências para o setor.


Na abertura, o presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo), Rubens Barbosa, destacou que, embora a pandemia tenha afetado a vida das empresas e consumidores de todos os setores, o abastecimento do trigo para a indústria foi atendido sem grandes problemas.


“O Brasil importa 60% do trigo que consome e não houve problemas com importação. Estamos com perspectivas da volta do crescimento no ano que vem”, comentou Barbosa, pontuando as expectativas otimistas de novas possibilidades para o mercado brasileiro com a eleição do Joe Biden para a presidência dos Estados Unidos.


Rogério Trannin de Mello, diretor comercial da Coamo Agroindustrial Cooperativa, ressaltou que está nas mãos do produtor a decisão de aumentar a produção, pois competitividade e qualidade o mercado nacional já tem. No Brasil, apenas 3% da área destinada ao cultivo de grãos e oleaginosas são ocupadas pelo trigo, que tem uma produtividade média nacional de 3 toneladas/hectare - a média mundial é de 3,5 toneladas por hectare.


A Coamo entregou, neste ano, 600 mil toneladas de trigo à indústria, o que corresponde a 10% da safra brasileira. A mudança no campo, com investimentos em tecnologia e qualificação, refletiu no aumento de produtividade e competitividade para o trigo.


“Há 10 anos, tínhamos uma qualidade ruim, usado apenas como um blend. Tivemos que mudar a forma de precificar o trigo pela qualidade. A pesquisa trouxe novas alternativas que foram a campo e os produtores passaram a investir em variedades que dessem maior qualidade”, afirmou Trannin.


Preços no radar

Em 2020, o setor registrou o melhor ano da história em rentabilidade do trigo e, segundo Trannin, a escolha do produtor vai estar sempre balizada pelos níveis do preço no mercado internacional.


Para 2021, entretanto, os valores "estão na navalha”, segundo o executivo do negócio trigo da Bunge, Edson Csipai, com forte tendência de alta que pode chegar a níveis de US$ 300 por tonelada. Os motivos são a expectativa de safra menor do hemisfério norte em virtude das condições de seca no plantio da Rússia – maior exportador mundial – e estimativa do fenômeno La Nina, que deve provocar seca no sul do Brasil e na Argentina.


“Qualquer problema climático que tivermos, facilmente os preços tendem a chegar a US$ 300 por tonelada. Além disso, a Argentina está em uma situação econômica nada favorável e, agora, a melhor opção para o produtor argentino é não vender trigo da safra que já foi 20% colhida”, explica Csipai.


A Argentina saiu no começo do ano com estimativa recorde de produção de 23 milhões de toneladas de trigo, mas sofreu com uma grande seca na região central e norte do país, o que faz com que deva fechar 2020 contabilizando 17 milhões de toneladas.


Outra variável é a oscilação cambial, que resultou em alta de 30% nos custos para a indústria e a desvalorização do real em relação ao dólar. “Com isso, a indústria de moagem teve um aumento de 60% no custo e que ainda não foi repassado ao consumidor”, destaca.


Rejeição a transgênicos

Tema recente e mais polêmico do setor, a transgenia do trigo foi abordada no congresso. Representando a indústria de moagem, Csipai enfatizou que é contra pelo simples fato de o consumidor não aceitar ainda o trigo transgênico.


“A indústria não compra. O trigo é diferente da soja e do milho porque vai direto para a alimentação humana. A gente precisa ter um cuidado muito forte. O consumidor tem razão para isso. A transgenia pode ser uma saída para o aumento de produção, mas isso tem que ser mais bem explicado ao consumidor”, afirma Csipai.


Nas tendências do mercado de farinhas e derivados, o representante da Global Principal Application Scientist, Enzymes DuPont Health & Bioscience, Eduardo Pimentel Junior, destacou a importância de valorizar a diversidade dos subprodutos de trigo para agregar valor e aumentar as possibilidades de oferta de produtos saudáveis para o consumidor.


Além disso, o executivo apontou o crescimento do mercado de pão congelado e ressaltou que a tipificação de farinha de trigo é uma tendência internacional de mercado.


Cenário político

Mônica de Bolle, economista, pesquisadora da Peterson Institute for International Economics e professora SAIS/John Hopkins University Washington, abriu as palestras fazendo uma análise mais pessimista do cenário brasileiro. Ela explanou sobre os desafios no panorama econômico e tributário para o agronegócio brasileiro, com crescimento mais baixo do que o projetado pelo governo.


“Na área fiscal, os desafios do Brasil são imensos. O país já entrou nessa pandemia com um cenário fiscal ainda bastante desarranjado e a reforma da previdência resolve apenas uma pequena parte dos nossos problemas. Precisamos pensar em como vamos dar conta desses desafios não só para sustentar a população como também o sistema de saúde”, destacou.


Nos desafios de longo prazo, a economista diz que o Brasil havia perdido fôlego antes da pandemia e já vinha crescendo a um ritmo muito baixo para aquilo que precisava para gerar maior competitividade.


Segundo ela, embora o agro não sofra das mesmas mazelas que outros setores pelo alto nível de competitividade internacional e investimentos, os desafios estruturais são enormes, como baixa produtividade da mão de obra relacionada à pouca qualidade na educação.


Questões ambientais

Moinca de Bolle também ressaltou que a área ambiental estará no centro das prioridades no primeiro ano do governo do recém-eleito presidente dos Estado Unidos, Joe Biden, e que o setor privado, especialmente do agronegócio, deverá assumir o protagonismo nas questões climáticas e ambientais.


“Com infelicidade, o Brasil perdeu relevância internacional nos últimos anos por uma série de fatores, mas principalmente pelas políticas de meio ambiente. Como não vejo grande protagonismo do governo Bolsonaro em fazer mudanças nas políticas de meio ambiente, o negacionismo na área climática e ambiental, o setor privado brasileiro e o agronegócio vão ter que preencher esse papel de maior protagonismo. Vejo no setor privado um espaço para conseguir manter boas relações com os EUA demonstrando tudo o que o agro faz na área de agricultura sustentável”, avaliou.


Fonte: Globo Rural


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