Desmotivados pelo baixo preço do trigo, os produtores ganharam um motivo a mais de preocupação antes mesmo de a cultura germinar nas lavouras.
O excesso de chuva no Rio Grande do Sul, chegando a quase 600 milímetros em algumas regiões em maio, retardou o plantio. Além do risco de perder a janela preferencial de semeadura, os agricultores fazem as contas para não comprometer a soja, que ocupará a mesma área logo após a colheita do cereal.
O receio é maior no Noroeste, primeiro a plantar dentro do calendário agrícola do Estado. A área semeada com trigo nesta época deveria ser superior a 60%. Até segunda-feira, o percentual não passava de 10%.
- Dificilmente o plantio será concluído até o dia 20 de junho, período preferencial para a cultura - adianta José Vanderlei Waschburger, gerente regional adjunto da Emater Santa Rosa.
Quem conseguiu plantar antes da chuvarada, acrescenta Waschburger, pode ter tido problemas de perda de nutrientes e de sementes:
- A falta de luminosidade também foi prejudicial nas áreas onde o trigo já tinha germinado.
Os problemas na arrancada da safra podem fazer com que a redução estimada para a cultura seja ampliada. Antes do período chuvoso, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) previa o plantio de 699 mil hectares - 10% a menos do que em 2016 e a menor área desde 2006.
- Os números tendem a ser revisados para baixo no próximo levantamento - adianta Carlos Bestetti, superintendente da Conab no Estado.
A Federação da Agricultura do Estado (Farsul) tem a mesma percepção, de que alguns produtores irão reduzir ou até mesmo desistir da cultura. A projeção inicial da entidade era de uma área de 650 mil hectares.
- Agora, provavelmente, nem chegará a isso. O produtor tem pouco estímulo em uma memória recente - diz Hamilton Jardim, presidente da Comissão de Trigo da Farsul, referindo-se às últimas três safras.
Após dois anos de frustração por problemas climáticos, em 2014 e 2015, os agricultores tiveram colheita cheia no ano passado - porém com problema na comercialização. Mesmo quem vendeu a safra em leilões públicos, espera até agora pelo pagamento. Segundo Jardim, dos R$ 180 milhões negociados em ofertas para escoamento da produção no Estado, apenas 10% foram pagos pela Conab.
Armazéns lotados com grãos da safra anterior
Produtor em Coxilha, no norte do Estado, Antolí Fauth Mello, começou o plantio na quarta-feira sem ter vendido nenhum grão de trigo da última safra:
- Estou com os grãos armazenados há seis meses. Não consegui preço que pagasse os custos.
O desapontamento com o mercado fez o agricultor reduzir em 20% a área, de 200 hectares em 2016 para 160 hectares agora. Em 2013, chegou a semear 250 hectares. Apesar de a região de Passo Fundo ter uma janela maior para plantio, até 10 de julho, Mello resolveu não arriscar e começar a semear apenas com uma dessecação - aplicação de herbicida para eliminar inços do solo.
- O ideal é fazer duas aplicações em intervalo de um mês. Mas agora não dará mais tempo - lamenta o produtor.
Todos os cálculos são para não afetar o calendário da soja na região, semeada logo após a colheita do trigo, em novembro.
- A soja é a cultura mais rentável hoje, por isso a preocupação do produtor - ressalta Claudio Dóro, assistente técnico regional da Emater de Passo Fundo.
Produtor em Santa Rosa, no Noroeste, José Helmuth Steffen também irá reduzir a safra de trigo neste ano, de 70 para 50 hectares. A área será ocupada com milho, que ocupará 80 hectares na propriedade. Da safra passada, recorde em produtividade, só conseguiu comercializar 30% - e apenas na troca de insumos. O restante está parado em uma cerealista à espera de oportunidade de negócio.
- Tem anos em que plantamos trigo e colhemos pepino - ironiza Steffen.
Dias melhores no horizonte
Se o cenário atual é desalentador, analistas de mercado lembram que o jogo pode virar - com valorização maior do cereal até o final do ano.
- Quem plantar trigo neste ano tende a se dar bem - projeta Luiz Carlos Pacheco, analista sênior da consultoria Trigo & Farinhas.
A projeção é feita com base na redução das áreas plantadas no Rio Grande do Sul e no Paraná, principais Estados produtores, e em eventual redução de oferta mundial do produto. Apesar de a Argentina ter aumentado o cultivo, países como Paraguai e Uruguai pretendem reduzir a área:
- Problemas climáticos poderão afetar as safras do Canadá e dos Estados Unido também, ajudando a pressionar os preços - diz Pacheco, prevendo valores maiores para o cereal nos próximos meses.
Na semana de 12 a 16 de junho, a cotação da saca de 60 quilos chegou ao preço médio de R$ 30,57 no Estado, segundo a Emater. Apesar de estar abaixo da média histórica para junho (R$ 35,51), o valor reagiu em relação há 30 dias, quando estava em R$ 28,92.
Na opinião de Élcio Bento, consultor da Safras e Mercados, a variável que pode fortalecer o preço do trigo no mercado interno é o câmbio, já que os preços no Exterior estavam mais em conta do que no Brasil.
- Se o dólar estiver mais alto, fica mais caro para as indústrias importarem trigo, valorizando o produto nacional - explica Bento.
De agosto de 2016 até maio deste ano, o Brasil importou 6,12 milhões de toneladas de trigo grão. Enquanto a safra brasileira chegou a 6,7 milhões de toneladas, o consumo dos moinhos nacionais passou de 10 milhões de toneladas. Além do câmbio, outras duas variáveis são responsáveis pela formação de preço do produto: os estoques e a produção mundial, além da oferta no mercado interno. Historicamente, informa o consultor, a indústria importa trigo de maior qualidade para misturar com o produto nacional.
- O que ocorreu neste ano foi uma conjuntura desfavorável para o preço interno, mas isso não é regra. Já tivemos anos de safra cheia e cotações em alta também - recorda Bento.
Uma alternativa para aumentar a liquidez do trigo nacional é direcionar parte da produção para o mercado externo, indica Paulo Pires, presidente da Federação das Cooperativas Agropecuárias do Estado (Fecoagro):
- Hoje, já exportamos parte da produção quando há frustração por sobra de produto. Porque não organizar nossa produção incluindo variedades tipo exportação? - questiona o dirigente.
O trigo para outros países é destinado, principalmente, para produção de ração.
- Enxugaríamos um pouco a oferta de trigo pão e garantiríamos um mercado mais estável - explica Pires, citando pesquisas de variedades na Embrapa Trigo, em Passo Fundo.
Fonte: ZH Campo e Lavoura