O El Niño impulsionou a agricultura em algumas partes do Brasil. Mas causou fortes chuvas e secas em outras regiões importantes, com impacto em colheitas que são vitais para a economia do país.
Tempestades extremas no sul do país causaram inundações que atrasaram o plantio deste ano no Rio Grande do Sul, o principal estado produtor de arroz do país.
Como resultado, os preços do arroz dispararam e os custos para o consumidor saltaram quase 6% só em dezembro, segundo o IBGE. "O custo da colheita deste ano aumentou significativamente devido aos desafios climáticos", disse Alexandre Velho, agricultor e presidente da Federarroz.
Os preços de tubérculos e leguminosas, como batata, também subiram 8,1% no mês passado, em função das fracas colheitas na região Sul. Apenas o custo da batata aumentou 19% em dezembro.
A produção deverá ficar mais cara nos próximos meses, disse Margarete Boteon, professora de economia da Universidade de São Paulo.
O tempo chuvoso também prejudicou as colheitas de trigo e deverá resultar num aumento dos preços da farinha, de acordo com a Abitrigo.
Enquanto isso, os regiões agrícolas do norte e centro do Brasil receberam menos chuva do que o esperado, já que os efeitos do El Niño se combinaram com interrupções no fluxo normal das monções (ventos que mudam de direção e alteram as chuvas), segundo o presidente da World Weather, Drew Lerner.
Algumas partes do país ainda enfrentavam escassez de precipitação no início de janeiro, quando tipicamente as chuvas são generalizadas. Isso prejudicou as previsões para a soja, o principal produto agrícola de exportação do Brasil. Os produtores de Mato Grosso, maior reduto da soja, relataram a necessidade de replantar 4% da área, resultando em custos mais elevados, segundo o instituto de economia rural do estado.
Como resultado, não se espera que os preços das oleaginosas aumentem, mas muitos agricultores acreditam que enfrentarão perdas financeiras, disse o analista da XP Leonardo Alencar. Empresas como a SLC Agrícola (SLCE3), inclusive, já revisaram estimativa de área plantada para baixo em razão do El Niño. Embora os meteorologistas considerem que o impacto na América do Sul começa a enfraquecer. as consequências econômicas ainda estão por vir.
As safras interrompidas e os problemas na produção fizeram com que o Itaú (ITUB4) revisasse sua previsão de PIB agrícola de 2024 para 0,7%, bem abaixo da estimativa anterior de 2,5%.
"Em um cenário extremo", disse Natalia Cotarelli, economista do Itaú, "poderíamos ter um PIB agro negativo esse ano". Mesmo que o El Niño continue relativamente ameno, não se espera que o setor agrícola cresça em 2024, segundo Felippe Serigati, pesquisador do centro de estudos do agronegócio da Fundação Getulio Vargas.
Riscos crescentes
Até o momento, os efeitos têm sido relativamente moderados sobre a América Latina, disse Jackson, da Capital Economics.
Embora o fenômeno tenha feito com que o banco central da Colômbia permanecesse cauteloso durante meses, à medida que os seus principais pares sul-americanos cortavam as taxas de juros, a autoridade monetária conseguiu realizar o primeiro corte nas taxas em três anos em dezembro.
Na Ásia, pelo contrário, o aumento da inflação forçou muitas autoridades monetárias a adiar os ciclos de flexibilização que tinham planeado lançar no segundo semestre de 2023.
Ainda assim, o El Niño enfatiza o risco crescente de condições meteorológicas extremas para os países cujas economias dependem da agricultura, especialmente com grandes eventos climáticos - como inundações e secas inesperadas - mais frequentes.
Isso provavelmente tornará o clima um fator ainda mais importante para a inflação e o desempenho econômico.
"Os riscos de longo prazo decorrentes do clima deverão fazer com que fenômenos climáticos severos se tornem mais frequentes e provavelmente isso vai levar a uma inflação mais elevada e mais volátil", disse Jackson.