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Moinhos paulistas deixam de pagar 40% do trigo importado

A guinada do câmbio nos últimos três meses no Brasil secou o caixa de uma parcela dos moinhos de trigo e está provocando uma onda de renegociação de dívidas no segmento. O problema está mais concentrado no Estado de São Paulo. A estimativa do mercado é de que ao menos 40% do cereal comprado do exterior entre os meses de junho e agosto não foi pago pelos moinhos importadores. A pressão aumentou em setembro e tende a crescer se a moeda americana seguir na trajetória de alta.

A maior parte da importação da indústria moageira é feita com intermediação de tradings que, portanto, financiam a operação. O moinho fecha o contrato de importação com a trading, que realiza a logística e internalização do produto nos portos brasileiros, concedendo de 30 a 90 dias de prazo para que a indústria moageira realize o pagamento.

Mas, desde agosto, a forte alta do dólar frente ao real desencadeou uma série de pedidos de postergação de pagamento, conforme traders ouvidos pelo Valor. Em setembro, quando o dólar rompeu a barreira dos R$ 4 o "desespero" se instalou.

Entre junho e agosto, São Paulo importou 230 mil toneladas do cereal, por US$ 60,8 milhões, conforme dados da Secex. A estimativa de traders é que o pagamento de 100 mil toneladas tenha sido renegociado, o que significa um montante de US$ 24 milhões. Ao câmbio médio de agosto, de R$ 3,5143 (Ptax), essa dívida estaria em R$ 85 milhões. Ao dólar médio de setembro, de R$ 3,9038, aumentou para níveis próximos de R$ 94 milhões.

Quem absorverá esse passivo por ora serão as tradings. Conforme fontes ouvidas pela reportagem, essas companhias continuam financiando os moinhos. "Não há como parar a bicicleta. As tradings vão ter que engolir seco e continuar fornecendo o cereal", disse um trader. De acordo com ele, muitas indústrias estão esperando o "câmbio voltar" para que o endividamento fique menor e seu pagamento, mais factível.

A segunda má notícia é que a expectativa para o segmento moageiro é de margens ainda mais apertadas neste ano. Além de uma valorização do dólar da ordem de 40% em três meses, os moinhos absorveram aumento da energia elétrica, do frete, dos custos com mão de obra e impostos. No fim das contas, o custo subiu de 35% a 45%, conforme estimativa da consultoria Trigo & Farinhas.

Na outra ponta, há dificuldade neste momento de repassar todos esses custos, dado o desaquecimento da economia, conforme o presidente do Sindicato da Indústria de Trigo de São Paulo (Sindustrigo-SP), Christian Saigh. "As vendas de farinha estão caindo. A moagem neste ano será 10% menor", afirmou.

O empresário Lawrence Pih, que deve concluir em algumas semanas a venda de seu moinho, o Pacífico, para a multinacional Bunge, disse ainda que quando começou a queda acelerada do real, muitos moinhos já tinham dívida em dólar. "No ano passado o real estava a R$ 2,25 e agora, acima de R$ 4. Os moinhos têm agora de suportar uma diferença de R$ 1,81 por dólar pois a dívida é rotativa, ou seja, a empresa paga uma carga de trigo e já compra uma nova", explicou Pih.

Em linhas gerais, metade do endividamento dos moinhos é em dólar. Em alguns casos, essa fatia chega a 80%, conforme estimativa do Sindustrigo-SP. Isso se deve às características da própria atividade: o Brasil é um dos maiores importadores de trigo do mundo, com uma necessidade de trazer do exterior ao menos metade de seu consumo.

Como o dólar alto deixou o trigo importado mais caro, os produtores do Paraná estão aproveitando para pedir mais pelo cereal, em fase de colheita. A tendência, conforme o especialista da consultoria Safras & Mercado, Jonathan Pinheiro, é o produto nacional "buscar" a paridade com o produto importado. Em 30 dias, a tonelada do cereal no Paraná saiu do patamar de R$ 600 para R$ 750. Ainda assim, está muito abaixo do preço do cereal importado. Importar trigo da Argentina, o principal fornecedor do cereal ao Brasil, significa pagar 40% mais do que no mercado interno, calculou Pinheiro. No caso da importação do cereal dos Estados Unidos, que é onerado em 10% devido à incidência da Tarifa Externa Comum (TEC), esse valor chega a ser 50% superior, segundo ele.

Por Fabiana Batista | De São Paulo 
Fonte : Valor

 


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