A beleza dos campos de trigo contrasta com o semblante de preocupação dos produtores. Por causa das fortes chuvas das últimas semanas no Rio Grande do Sul e a onda de frio que veio em seguida, as estimativas mais otimistas de colheita dificilmente vão se concretizar. E, não bastassem as frustrações relacionadas ao clima, outras ameaças põem em dúvida o futuro do cereal no país.
Custos elevados, preços baixos ao produtor, dívidas crescentes e políticas públicas frágeis estão entre as barreiras que ameaçam a viabilidade da cultura. Uma crise no cultivo de trigo tende a se refletir, cedo ou tarde, nos preços do pão, das massas, bolos, biscoitos e de outros produtos essenciais que têm o cereal como base — um risco direto à mesa do consumidor brasileiro.
Enchentes afetam o Sul e frustram expectativa de colheita
A projeção mais recente da Companhia Nacional do Abastecimento (Conab) é de colheita de 8,2 milhões de toneladas em 2025, 4,6% superior à do ano passado. O aumento se deve principalmente à maior produtividade (3,1 mil quilos por hectare, quase 20% acima de 2024), uma vez que a área plantada diminuiu cerca de 13% nesta safra.
No Rio Grande do Sul, maior produtor do país, as enchentes provocaram perda de solo, nutrientes e matéria orgânica. “Antes da chuva semeei 25 hectares. Em pelo menos 17 hectares vai dar replantio. Foi a área que o rio pegou, nos locais mais úmidos a semente apodreceu”, conta o agricultor Jônatas Seider, que plantou em Tapera e Victor Graeff, a 70 km de Passo Fundo.
As elevadas perdas desse ano se somam às do ano passado, quando os gaúchos enfrentaram a maior enchente da história. “Proagro indenizou uma parte e tive que vender a soja que tinha para pagar a conta”, explica Seider.
Dívidas se acumulam e ameaçam continuidade da produção de trigo
Segundo ele, as dívidas estão se acumulando com o passar dos anos e se tornando uma bola de neve. “O custeio da safra de soja 2023/24 foi prorrogado por quatro anos pelo governo, mas não resolve o problema porque o custeio da safra 2024/25 foi comprometido pela seca. Não vou conseguir pagar”, afirma.
Além das perdas provocadas pelas intempéries climáticas, que castigam o Rio Grande do Sul pelo segundo ano consecutivo, os custos de produção estão elevadíssimos, segundo Seider. “O meu custo já está em 50 sacas por hectare. Mas na última safra eu colhi 17 sacas por hectare”, lamenta o agricultor.
No Paraná, produtividade ainda resiste, mas área plantada diminui
No Paraná, segundo maior produtor do cereal, os problemas climáticos não haviam provocado perdas significativas até o fim da semana passada, apesar da geada em junho e das fortes chuvas registradas no estado nos últimos dois meses.
“Até o momento a cultura do trigo no Paraná encontra-se com 99% das condições boa e 1% média, segundo dados do Departamento de Economia Rural (Deral) da Secretaria da Agricultura do Paraná”, disse Salatiel Turra, economista do Sistema Ocepar, em entrevista à Gazeta do Povo na semana passada.
A nova onda de frio dos últimos dias, porém, reacendeu preocupações sobre eventuais prejuízos às lavouras. Os próximos levantamentos vão precisar quais os efeitos dos eventos climáticos recentes sobre a produção.
As inseguranças já haviam provocado uma redução de 27% na área plantada na safra 2024/25 no Paraná em comparação com a safra anterior. “Essa diminuição se deve, principalmente, à substituição do trigo por culturas consideradas mais rentáveis, como o milho safrinha, além da volatilidade dos preços”, argumenta Turra.
Esses aspectos são corroborados por Ralf Dengler gerente executivo da Fundação Meridional, entidade que congrega produtores de trigo e cereais de inverno do Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Segundo ele, a comercialização de sementes na atual safra foi, em média, 50% inferior à safra passada.
“As culturas de inverno sempre estarão sujeitas a um risco maior ao considerarmos as condições meteorológicas. Nos últimos anos, os preços baixos e custos altos têm sido os grandes vilões nessa história, pois qualquer intempérie ambiental que reduza o potencial produtivo representa um enorme prejuízo financeiro”, salienta Dengler.
Fonte: Gazeta do Povo