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Tentativa de recuperar margem de lucros acelera IPCA em julho

 O aumento mais forte que o previsto do Índice Nacional dos Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) entre junho e julho, de 0,35% para 0,52%, foi explicado principalmente pelos alimentos, mas trouxe outros sinais ruins para a inflação. Segundo economistas, a aceleração dos serviços e de outros itens, como eletrodomésticos e equipamentos, mostra uma tentativa de recomposição de margem por parte dos formadores de preços, tirando fôlego do processo de desinflação. Depois do resultado divulgado pelo IBGE, o consenso de mercado para a alta do IPCA em 2016, hoje em 7,2%, pode ficar mais próximo de 7,5%, dizem analistas.

De junho para o mês passado, o grupo alimentação e bebidas avançou de 0,71% para 1,32% - maior taxa para o segmento da inflação no período desde 2000. Os destaques positivos foram, novamente, o feijão-carioca e o leite, que subiram 32,42% e 17,58%, respectivamente. Para Eulina Nunes dos Santos, coordenadora de índices de preços do IBGE, a elevação expressiva está relacionada ao cliema adverso, que prejudicou lavourass e pastagens.

Além dos problemas climáticos que levaram a quebras de safra, como no caso do feijão, o economista-chefe do banco ABC Brasil, Luis Otávio de Souza Leal, avalia que a maior resistência dos alimentos também reflete a recomposição de margem de empresas do setor. "A expectativa era que houvesse desaceleração maior dos alimentos em relação ao IPCA-15 de julho", diz Leal. Na prévia da inflação do mês, o grupo alimentação subiu 1,45%.

" Os empresários têm expectativa de recompor margem a partir do momento em que houver recuperação maior da economia. No caso dos alimentos, é possível aumentar os preços sem perder tanta demanda, porque é um setor menos sensível à renda", diz o economista. O efeito desse movimento no IPCA é uma pressão mais duradoura dos alimentos, o que pode provocar revisões para cima nas projeções para a inflação, afirma Leal. A estimativa do banco para o aumento do IPCA no ano deve passar de 7,2% para 7,5%.

Outros elementos no dado de julho causam desconforto em relação à trajetória da inflação, além dos alimentos, afirma Fabio Romão, economista da LCA Consultores. A alta de 1,28% de eletrodomésticos e equipamentos num contexto de câmbio mais valorizado é preocupante, depois do recuo de 0,57% observado em junho, diz Romão, que também menciona a aceleração de 0,32% para 0,62% na inflação dos serviços. Em 12 meses, houve alta de 7,03% para 7,12%.

O encarecimento dos serviços foi contaminado pela alta sazonal de mais de 19% das passagens aéreas, assim como pelo avanço mensal "fixo" de 0,87% de empregado doméstico, que teve sua metodologia de cálculo alterada pelo IBGE, afirma Romão. Mesmo assim, outros itens dentro de serviços pessoais também subiram, o que, para o economista da LCA, está relacionado à tentativa de recomposição de margem. "Isso aparece no setores de serviços e linha branca, que estão repassando aumentos de custos."

Para André Muller, economista da AZ Quest, a desinflação ainda está ocorrendo, mas o resultado de julho mostra perda de ritmo do processo. Excluindo itens relacionados ao salário mínimo, que tiveram a metodologia de cálculo alterada, a inflação de serviços permaneceu em 6,9% nos 12 meses encerrados em julho, estima o economista, mesmo nível observado em junho. Na média móvel trimestral anualizada, houve alta nessa parte da inflação no período, de 5,9% para 6,5%. "A desinflação ainda ocorre, mas não na mesma intensidade dos meses anteriores", disse.

A inflação está em processo de desaceleração, mas a pressão dos alimentos tem feito com que o movimento seja lento, afirma David Beker, chefe de economia e estratégia para o Brasil do Bank of America Merrill Lynch. Apesar da alta mensal, observa Beker, o IPCA acumulado em 12 meses atingiu em julho seu menor nível desde maio de 2015, ao recuar para 8,74%, 0,1 ponto abaixo da leitura de junho.

Para agosto, a perspectiva dos economistas ouvidos é de descompressão do IPCA, na esteira da perda de fôlego dos alimentos no atacado, mas o resultado de julho elevou projeções. A LCA, por exemplo, alterou ligeiramente sua estimativa para a inflação do mês atual, de 0,38% para 0,40%. "O dado de julho reforçou que não dá para esperar alta abaixo de 7% para o IPCA em 2016", disse Romão.

Na medida em que o câmbio em nível mais apreciado tiver efeito sobre os preços, a descompressão do IPCA vai ganhar força novamente, o que deve acontecer nos próximos dois meses, avalia Muller, da AZ Quest. Por enquanto, o impacto da valorização do real só foi observado em poucos itens, com peso pequeno no indicador, como higiene e limpeza, aponta o economista. Mesmo a parte de alimentação deve arrefecer, diz, conforme apontam as coletas de preços mais recentes.

 

Fonte: Valor Econômico/ Arícia Martins e Alessandra Saraiva

 


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