Notícias do Sindustrigo

Entrevista com o especialista Renato Nassif, da Gavilon

Sindustrigo: Como está o setor de grãos, mais especificamente do trigo, diante do cenário econômico do País?

Renato Nassif: 2015 vem se mostrando um ano especialmente complexo para o setor trigo. Diversos fatores demandaram uma atenção adicional na gestão de risco e custos e constante adaptação do setor a essas variáveis no primeiro semestre.

De dezembro de 2014 a julho de 2015, 2.1 milhões de pessoas perderam seus empregos no Brasil e os que continuam empregados não tem mais confiança na economia. Assim como os empresários que diminuíram ou pararam de investir. Se adicionarmos a tudo isso a perda do poder de compra e a situação política complicadíssima, podemos dizer que o Brasil travou e aguarda para ver o que vai acontecer.

 A população reduziu a compra de produtos supérfluos, nas padarias o setor de confeitaria sofreu uma queda muito forte de consumo, por exemplo. As pessoas estão saindo menos para comer em restaurantes e também reduziram os pedidos de comida em casa. Nos supermercados a busca por produtos substitutos mais baratos é uma constante e tudo isso tem impactado diretamente o setor.

A desvalorização cambial do Real frente ao Dólar, acumulada em 31.96% desde o final do ano passado, traz para o trigo, setor de grande dependência da importação de matéria prima, um aumento direto no custo de produção. Isso reduz a competitividade do produto e diminui as margens de lucro da indústria que não consegue repassar o aumento de custos sob o risco de perder ainda mais demanda.

 O setor todo precisou se ajustar a essa nova realidade. Nossa leitura é que a moagem no Brasil reduziu entre 10% e 15%.  Entendemos que a recuperação do setor depende da economia. Sem novas medidas econômicas adequadas, e sem o reestabelecimento da governabilidade política, a situação não irá melhorar.

Sindustrigo: Qual a perspectiva de vendas? Aumentar, manter, diminuir?

Renato Nassif: O setor passou por um ajuste importante no primeiro semestre onde houve uma redução nas vendas. Entendemos que no segundo semestre as vendas se mantenham nesses novos patamares sujeitos ainda a uma leve melhora ou piora dependendo do reflexo de novos fatores da economia. Especificamente no pico da safra aqui no Brasil (set-out), a movimentação da cadeia toda é mais intensa uma vez que as indústrias visam se abastecer neste momento de maior pressão nos preços recompondo seus estoques. Se isso se confirmar, pode acontecer uma distorção de consumo momentânea neste quadro.

Sindustrigo: Qual é a expectativa da colheita para o Brasil?

Renato Nassif: As expectativas da safra dos órgãos públicos e das entidades privadas estão bem parecidas. Salvo algum problema climático, o Brasil deve colher entre 6.5 e 7 milhões de toneladas nas regiões sul e sudeste. As expectativas, que hoje são consenso do mercado, por região são: Rio Grande do Sul =de 2.4 a 2.0 milhões de toneladas; Paraná = de 3.7 a 3.9 milhões de toneladas; Santa Catarina = 300 mil toneladas; São Paulo = 300 mil toneladas e Minas Gerais = 300 mil toneladas.

Sindustrigo: Qual é a expectativa de preço para a comercialização do trigo no País?

Renato Nassif: Nesse momento existem fatores baixistas e altistas que ainda necessitam de acompanhamento para definição do trend (tendência). O estoque mundial de trigo está muito alto, a relação de estoque /uso do produto é a terceira mais alta dos últimos 10 anos. Este é um fator que põe um peso muito grande nos preços mundiais.

A valorização do dólar em países como a Rússia tem estimulado muito o produtor que agora recebe mais rublos por tonelada de trigo colhido e que, dessa forma, deve chegar ou superar este ano a safra de 59 milhões de toneladas do ano passado. Se isso se confirmar, a Rússia manteria o aumento dos estoques mundiais e ofereceria trigo a preços muito competitivos no mercado.

Os preços do trigo americano estão altos em relação ao mercado e para encontrar um destino para esse produto será necessária uma correção para ter paridade com outros exportadores. Este é um fator baixista no cenário internacional.

Mais especificamente no Mercosul, a Argentina tem um estoque de passagem grande e produtores pouco estimulados para a produção nesta safra de 2015/16. A produção estimada é de aproximadamente 11 milhões de toneladas. É um número relativamente baixo quando comparado ao histórico do país. Porém, como os estoques de passagem estão relativamente altos acreditamos que há quantidade suficiente de saldo exportável para atender a demanda brasileira.

Os outros países do bloco mantêm produções similares à safra passada. Ainda assim, a qualidade do produto será fator definitivo para essa tendência.

 Ao avaliarmos especificamente o trigo brasileiro, nossa leitura é que apesar de ter uma safra grande, os preços poderiam ficar mais elevados. A confirmação de qualidade da nossa safra e a força da demanda serão os fatores que irão ditar o quão alto os preços ficarão.

Sindustrigo: As chuvas em excesso no RS afetaram a produção da região. Quais são as consequências esperadas?

Renato Nassif: O excesso de chuva pode causar diferentes consequências de acordo como a fase do desenvolvimento da planta. As chuvas que ocorreram podem ter reduzido os nutrientes do solo que seriam necessários na fase de enchimento de grãos, porém hoje ainda não temos como mensurar esse impacto.  

Sindustrigo: O que isso representa para a flutuação dos preços e disponibilidade do grão no Brasil?

Renato Nassif: Hoje existe uma oferta muito grande de trigo e uma demanda enfraquecida. Se houver problemas na safra, a oferta reduzirá e desta forma os preços poderiam voltar a se fortalecer fruto de um deslocamento da curva de oferta.

Sindustrigo: Como foi a safra da Argentina? Qual a expectativa de colheita?

Renato Nassif: A perspectiva da safra é de 11 milhões de tonelada. Existem muitas dúvidas com relação à qualidade do produto haja visto que o produtor rural está sofrendo com a política agrícola e não tem interesse em fazer os investimentos necessários para um manejo adequado da lavoura. O risco climático também é um fator a ser acompanhado até a colheita que inicia em novembro.

Sindustrigo: O El Niño afetou significativamente a produção de 2015?

Renato Nassif: Quando houve a confirmação do efeito El Niño para esse ano, o mercado criou uma expectativa ainda maior sobre qual seria a produtividade e sobre qual seria a qualidade das safras. O clima mais seco na Austrália pode potencializar a redução da produção que geralmente é de 20 a 30 milhões de toneladas por ano. Em contrapartida, na América do Sul o principal efeito esperado seria o de excesso de chuva, o que aumenta consideravelmente o risco de sanidade das safras. Ou, ainda pior, se houver chuva no momento da colheita o trigo se tornaria útil apenas como ração.

Como as safras ainda estão em desenvolvimento temos que manter constante atenção, pois tudo pode mudar no último instante como já vimos ocorrer algumas vezes principalmente no Rio Grande do Sul e no Uruguai (a recordar o ano de 2012).

Sindustrigo: O cenário econômico ou a produção de safra de algum outro país pode afetar os preços no Brasil? Ou se mostrar uma melhor opção para os moinhos importadores?

Renato Nassif: Não podemos esquecer que somos apenas uma peça dentro de uma engrenagem maior, e dessa forma, os preços são mais suscetíveis a fatores exógenos do que gostaríamos. Percebemos que, muitas vezes, fatores econômicos de um país ou de uma região impactam diretamente os preços das commodities. Os fundos hoje em dia têm uma participação grande no mercado de commodities e, por conta disso, os movimentos de mercado muitas vezes vão contra os fundamentos de um ou outro produto.

O Dólar tem se valorizado frente a uma série de moedas e, desta forma, alterado a capacidade de uma ou outra origem se tornar mais ou menos competitivas no mercado internacional. Além disso, no Brasil a existência de barreiras comerciais e fitossanitárias não permite que a decisão dos moinhos importadores seja baseada apenas no preço. As empresas precisam considerar, dentre outras coisas, quais são os impostos e se é permitido ou não importar tal produto.

A análise de competitividade deve ser feita constantemente para garantir que a tomada de decisão no momento da compra seja a melhor possível.  Seria uma grande vantagem se os moinhos importadores de trigo pudessem adquirir produto nacional via cabotagem reduzindo sua exposição cambial. 


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